domingo, 4 de novembro de 2007

Mensagem Vs Lusíadas

A comparação entre "Os Lusíadas" e a "Mensagem" impõe-se pelo próprio facto de esta ser, a alguns séculos de distância e num tempo de decadência - o novo mito de pátria portuguesa.



Os Lusíadas

Mensagem
 Homens reais com dimensões heróicas mas verosímeis;

 Heróis de carne e osso, bravos mas nunca infaliveís;  Heróis mitificados, desincarnados, carregando dimensões simbólicas

 Brasão  Terra  Nun’Álvares Pereira
 Mar Português  Mar  Infante D. Henrique
 O encoberto  Ar  D. Sebastião

(de uma terra de dimensões conhecidas parte-se à descoberta do mar e constrói-se um império. Depois o império se desfez e o sonhos e o Encoberto são a raiz a esperança de um Quinto Império)
 Herói colectivo: o povo português
 Virtudes e manhas  Heróis individuais exemplares (símbolos)

 D. Sebastião (rei menino) a quem Os Lusíadas são dedicados;
“tenro e novo ramo”
 D. Sebastião mito “loucura sadia”
Sonho, ambição
(repare-se que d. Sebastião é a última figura da história a ser mencionada, como se se quisesse dizer que Portugal mergulhou, depois do seu desaparecimento num longo período de letargia)

 Celebração do passado – história  Glorificação do futuro – símbolos
 Messianismo a mola real de Portugal
 Narrativa comentada da história de Portugal (cf. Jorge Borges de Macedo)
Teoria da história de Portugal  Metafísica do Ser português
 Três mitos basilares:
o Adamastor
o Velho do restelo
o A ilha dos amores  Tudo é mito
“o mito é o nada que é tudo”



 acção  contemplação
 altiva rejeição do real
 império feito e acabado  Portugal indefinido, atemporal
  Saudade profética  saudades do futuro
 Façanhas dos barões assinalados  Matéria dos sonhos
 Temporalidade  Atemporalidade mística
 Síntese pagão e cristão  Síntese total (sincretismo religioso)
 D. Sebastião como enviado de Deus para alargar a Cristandade  Portugal como instrumento de Deus
(os heróis cumprem um destino que os ultrapassa)
 cabeça da Europa  Rosto da Europa que aguarda expectante o que virá









Poetas da ausência
Do que foi ou do que poderá vir a ser
Intervalo multissecular





O projecto da Mensagem é o de superar o carácter obsessivo e nacional d’Os Lusíadas no imaginário mítico-poético nacional. Os Lusíadas conquistaram o título de “evangelho nacional” e foram elevados à categoria de símbolo nacional. A Mensagem logo no seu título aponta para um novo evangelho, num sentido místico, ideia de missão e de vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, uma iniciação.
Pessoa previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará o “Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre por achar”.
A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo intertextual, com Os Lusíadas, que por sua vez são já um reflexo intertextual da Eneida e da Odisseia. Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa múltiplos tempos históricos. Pessoa transforma-se num arquitecto que edifica uma obra nova, com moderbnidade, mas também com a herança da memória.
Em Camões memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto da esperança transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo.
Pessoa identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num processo lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica, definivel pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no Quinto Império, Pessoa reinventou um razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano
absurdo.
O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por cumprir. Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e espectraliza as personagens da história nacional.
A Mensagem é o sonho de um império sem fronteiras nem ocaso. A viagem real é metamorfoseada na busca do “porto sempre por achar”.



“A Mensagem comparada com Os Lusíadas é um passo em frente. Enquanto Camões, em Os Lusíadas, conseguiu fazer a síntrese entre o mundo pagão e o mundo cristão, Pessoa na Mensagem conseguiu ir mais longe estabelecendo uma harmonia total, perfeita, entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico.” (Cirurgião: 1990,19)

“A Mensagem é algo mais, muito mais, que uma mera viagem temporal e espacial pela mitologia, pré-história e história de Poortugal. É essencialemente uma viagem pelo mundo labirintico dos mistérios e dos enigmas e dos símbolos e dos signos secretos, em demanda da verdade.” (Cirurgião: 1990,155)

Cirurgião, António
1990 O olhar esfíngico da Mensagem de Fernando Pessoa INLC, Ministério da Educação







A Mensagem reparte-se em dois vectores:

 busca ôntica – procura da essência da lusitanidade e definição da nossa idiossincrasia
 inquirição – questionação do mesmo histórico a seguir e a fazer seguir como projecto nacional colectivo

Pessoa é um exemplo desta obsessão nacional – a espera de um Messias.
A história de Portugal não oferece problemas à elaboração de um mito nacional. Ela está cheia de elementos e contém já um grande mito, o sebastianismo. Pessoa distinguiu o seu sebastianismo, apelidando-o de racional. O regresso de D. Sebastião é associado ao aparecimento do Quinto Império. Pessoa abandona os Impérios materias para elaborar impérios espirituais – Grécia, Roma, Cristandade, Europa pós-renascentista e, agora, Portugal. O Quinto Império já estava escrito nas trovas do Bandarra e nas quadras do Nostradamus. O nacionalismo tradicional é superado por um nacionalismo cosmopolita.
Pessoa, criador do fundo e da forma do mito, anuncia-se como um supra Camões. A realidade é activada pelo Mito (força catalizadora).



Sebastianismo

O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.
«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»
O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta duma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica ( mas em que não é absurdo confiar. D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a nacionalidade.

 D. Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimento físico de D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa.

 D. Sebastião aparece cinco vezes explicitamente na Mensagem (uma vez nas Quinas, outra em Mar português e três vezes nos Símbolos).
Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e o Mar português são a preparação para a chegada do Encoberto, na sua qualidade de Messias de Portugal.

 D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura (condenação da matéria e sublimação do espírito)



O três é um número que exprime a ordem intelectual e espiritual (o cosmos no homem). O 3 é a soma do um (céu) e do dois (a Terra). Trata-se da manifestação da divindade, é a manifestação da perfeição, da totalidade.

O sete assume também uma extrema relevância, senão vejamos, sete foram os Castelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos .
O sete corresponde aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou lisboa, Viriato uma nação, Conde D. Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D. Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número sete como número da craiação.

O sete é o número da perfeição dinâmica. É o número de um ciclo completo.
O sete articula-se com o quatro. Os 7 protagonistas de Os Castelos vêm dos 4 cantos do mundo (França, Inglaterra, Ibéria e Grécia). Note-se que cada período lunar tem 7 dias e existem 4 fases que fecham o ciclo. Perpassa a ideia de algo que se completa, de um ciclo que se fecha. O sete é um símbolo de totalidade, de união do feminino com o masculino. Consciente dessa tradição, Pessoa divide o 7 em duas partes – D. João, o primeiro e D. Filipa de Lencastre, ou seja, o animus e a anima, o yin e o yang, o Adão e Eva, o Sol e a Lua.

O cinco está ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados por Nabucodonosar. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, roma, a Cristandade e a Europa pós-renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidas em apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial, o poeta não tem dúvidas em apontar Portugal.
Se o sete é o número da perfeição, o três da divindade, o cinco é o número da evolução espiritual do homem.
Pessoa escolheu cinco mártires da nação para corresponderem às cinco quinas (D.Duarte, D. Pedro, D. Fernando, D. João e D. Sebastião). O Brasão está dividido em 5 partes, tantas quantas as partes do nosso símbolo heráldico – Campos, Castelos, Quinas, Coroa e Grifo).

N’Os Lusíadas as quinas representam os cinco reis vencidos por D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique.
O doze assume relevância na segunda parte da Mensagem - Mar Português. Doze são os poemas de Mar Português , 12 eram os discípulos de Cristo, 12 os Cavaleiros da Távola Redonda, 12 os meses do ano, 12 os signos do zoodíaco. O número 12 é o número da acção. Nesta parte da Mensagem, Portugal está fundado na vida activa (a posse dos mares).
O oito é o número das pontas da Cruz da Ordem de Cristo, a cruz que as caravelas ostentavam. Oito letras tem Portugal e oito letras tem Mensagem.



ARTIGOS
Sebastianismo

As controvérsias sobre o Sebastianismo de Pessoa deixam sempre no grande público, e também, afinal no que, por oposição, teríamos que chamar «pequeno público» dos entendidos, a vaga impressão de que nesse campo teremos que admitir, sem discutir, as convicções que às vezes parecem de louco ou megalómano, e não são do domínio do racional. Como essa de acreditar que o Encoberto, o Desejado, o que traria para o Império Português a sua nova Idade de Ouro era, nem mais nem menos do que ele, Fernando Pessoa. Mas temos que nos lembrar que a vinda do Encoberto era apenas por ele encarada «no seu alto sentido simbólico» e não literal, como faziam os Sebastianistas tradicionais, de quem toma distância, e que esse Desejado não seria mais do que um «estimulador de almas». E que, mesmo assim, como ouvimos afirmar, apenas podia «compellir cada alma a, de facto, operar a sua própria salvação». Se tudo isto entendermos, sem esquecer que o Quinto Império era afinal «o Império Português, subordinado ao espírito definido pela língua portuguesa», não obedecendo nem «a fórmula política nem ideia religiosa», e que «Portugal, neste caso, quer dizer o Brasil» também perceberemos que o projecto de Pessoa era desmesurado, sim mas louco, não.
Teresa Rita Lopes. Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. Lisboa: Livros Horizonte, 1993, pp. 33-34.


Quinto Império

É evidente que Pessoa não inventou o Sebastianismo, encontrou-o na tradição portuguesa; mas, ao adoptá-lo, aprofundou-o e transfigurou-o. Sobretudo, uniu-o de uma forma pessoal ao outro grande mito tradicional português, o do Quinto Império. A ideia do Quinto Império vem de muito longe na mitologia judaico-cristã. Todos concordam em ver a sua origem no sonho de Nabucodonosor, contado no Livro de Daniel. O rei vê em sonhos uma estátua de dimensões prodigiosas: a cabeça é de ouro, o peito de prata, o ventre de bronze e os pés de barro misturado com ferro. De súbito, uma pedra bate no barro, o que faz com que toda a estátua venha abaixo; e a pedra transforma-se numa alta montanha que cobre a terra inteira. Daniel interpreta assim o sonho: o ouro representa o império da Babilónia, e a prata, o bronze e o barro misturado com o ferro significam os outros três impérios que irão suceder-lhe. Esses quatro impérios serão destruídos. A pedra que se transforma em montanha profetiza a vinda de um Quinto Império universal, que não terá fim. (...)
Para Pessoa, os quatro primeiros impérios já não são os da tradição, mas os quatro grandes momentos da civilização ocidental: a Grécia, a Roma antiga, o Cristianismo, a Europa do Renascimento e das Luzes. Já não se fala da Assíria nem da Pérsia, nem, aliás, do Egipto ou da China: o mundo é europeu. Mas, sobretudo, quando fala do Império vindouro, já não se trata de todo do exercício de um poder temporal, nem sequer espiritual, mas da irradiação do espírito universal, reflectido nas obras dos poetas e dos artistas. Ele condena a força armada, a conquista, a colonização, a evangelização, todas as formas de poder. O Quinto Império será «cultural», ou não será. E se diz, como Vieira, que o Império será português, isso significa que Portugal desempenhará um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do homem que toda a sua obra proclama. Um português como ele, homem sem qualidades, infinitamente aberto, menos marcado que os outros, tem mais vocação para a universalidade. Não há dúvidas de que acreditou que aquilo a que chama metaforicamente o Quinto Império se realizaria por ele e nele; é o sentido de um texto de 1925, em que afirma que «a segunda vinda» de D. Sebastião já se verificou, cumprindo a profecia do Bandarra, em 1888, data que marca «o início do reino do sol».

Robert Bréchon. Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa. Lisboa: Quetzal, 1996, pp. 404-406.

Origem e evolução da Língua Portuguesa

Memorial do Convento

MEMORIAL DO CONVENTO

Romance histórico, social e de espaço que articula o plano da história com o plano do fantástico e da ficção.

O título sugere memórias de um passado delimitado pela construção do convento de Mafra e memórias do que de grandioso e trágico tem o símbolo do país.

Intriga à Blimunda imprime à acção uma dinâmica com espiritualidade, ternura e amor.

A relação entre Baltasar e Blimunda transgride todos os códigos.

Narrador + Personagens à análise crítica

Contextualização: D.João V é aclamado rei em 1707, durante a Guerra da Sucessão de Espanha. A obra passa-se no Reinado de D. João V, séc. XVIII, época de luxo e grandeza, D. João V é influenciado pelos diplomatas, intelectuais e estrangeirados. Constrói o convento em Mafra por querer ultrapassar a grandeza do escorial de Madrir e para celebrar o nascimento do seu filho. A Inquisição ocupa-se com a ordem religiosa e moral e as suas vítimas são: cristãos-novos, judeus, hereges, feiticeiros, intelectuais.

Memorial do Convento à narrativa histórica (30 anos da história portuguesa) entrelaçando acontecimentos e personagens verídicos com seres fictícios.

Como ROMANCE HISTÓRICO, oferece-nos: uma minuciosa descrição da sociedade portuguesa da época, a sumptuosidade da corte, a exploração dos operários, referências à Guerra da Sucessão, autos-de-fé, construção do convento, construção da passarola pelo Padre Bartolomeu de Gusmão.

Como ROMANCE SOCIAL, é crónica de costumes.

Como ROMANCE DE INTERVENÇÃO, pois apresenta-nos a história repressiva portuguesa.

Saramago propõe um repensar da história portuguesa, através da ficção e com a sua palavra reveladora à mensagem ética.

2 linhas condutoras da acção: construção do convento de Mafra e relação entre Baltasar e Blimunda.

ACÇÃO PRINCIPAL à Construção do convento de Mafra: reinvenção da história pela ficção; entrelaçamento de dados históricos com a promessa de D. João V e o sofrimento do povo que trabalhou no convento; situação económica do País; autos-de-fé; construção da passarola.

ESPAÇOS PRIVILEGIADOS: Lisboa à Terreiro do Paço, S. Sebastião da Pedreira, Rossio; Mafra à Pêro Pinheiro, Vela, Torres Vedras, Monte Junto.

OUTROS ESPAÇOS: Jerez de los Caballeros, Montemor, Évora, Elvas, Coimbra, Holanda, Áustria.

Lisboa à cidade que contém em si ricos e pobres
Alentejo à permite conhecer a miséria que o povo passava
Mafra à deu trabalho a muita gente, mas socialmente, destruiu famílias e criou marginalização

TEMPO: as referências temporais são escassas, ou apresentam-se por dedução. As analepses são pouco significativas. A data de 1711, tempo cronológico do início da acção, não surge explícita na obra, mas facilmente se deduz.

NARRAÇÃO: Saramago rejeita a omnipotência do narrador, voz crítica. A voz narrativa controla a acção, as motivações e pensamentos das personagens, mas faz também as suas reflexões e juízos de valor. Os discursos facilmente passam da história à ficção. (Segundo Sartre, estamos perante um narrador privilegiado, com poder de ubiquidade (está dentro da consciência de cada personagem, mas também sabe o antes e o depois)).

CARGA SIMBÓLICA: sugere as memórias evocativas do passado + remete para o mítico e misterioso à ao lado da história da construção do convento, surge o fantástico erudito e popular.

MEMORIAL (memórias de uma época – construção do convento, inquisição, passarola, etc) do CONVENTO (construção do convento de Mafra)




PERSONAGENS:

D. João V – Rei de Portugal, rico e poderoso, preocupado com a falta de descendentes, promete levantar convento em Mafra se tiver filhos da rainha

Baltasar Sete-Sóis – maneta, chega a Lx como pedinte, conhece Blimunda, ajuda na construção da passarola, morre num auto-de-fé

Blimunda Sete-Luas – capacidades de vidente, vê entranhas e vontades, ajuda na construção da passarola, partilha a sua vida com Baltasar, o seu poder permite curar ou criar. Saramago consegue dotá-la de forças latentes e extraordinárias, que permitem ao povo a sobrevivência, mesmo quando as forças da repressão atingem requintes de sadismo.

Padre Bartolomeu de Gusmão – evita a Inquisição devido à amizade com o Rei, apoiado por Baltasar, Blimunda e Scarlatti, morre em Toledo.

O Povo – construiu o convento em Mafra, à custa de muitos sacrifícios e até mesmo algumas mortes. Definido pelo seu trabalho e miséria física e moral, surge como o verdadeiro obreiro da realização do sonho de D. João V.

CRITICA: ironia e sarcasmo à opulência do rei e alguns nobres, ao adultério e corrupção, à Inquisição.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Fernando Pessoa - Ela canta pobre ceifeira (análise)

ELA CANTA POBRE CEIFEIRA



Ela canta, pobre ceifeira
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz à o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p'ra cantar que a vida.

Ah! canta, canta sem razão!
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!


Esta composição poética pode ser dividida em duas parte lógicas. Na primeira parte, constituída pelas três primeiras estrofes, o poeta descreve a ceifeira e sobretudo o seu canto, canto instintivamente alegre. Esta descrição seria objectiva, se o poeta não introduzisse aqui a sua perpectiva: o canto da ceifeira era “alegre” porque talvez ela se julgasse feliz, mas ela era “pobre” e a sua” voz cheia de anónima viuvez”. Por isso, “ouvi-la alegra e entristece”: alegra se atendermos às razões instintiva da ceifeira, entristece se a virmos na perspectiva total do poeta. Há pois, já, nesta primeira parte um grau de subjectividade do poeta que vai adensar-se no segundo momento.
Na segunda parte, o poeta exprime a sua emoção perante a canção inconscientemente alegre da ceifeira. Podemos, ainda, subdividir esta segunda parte em dois momentos. Primeiramente, o poeta lança um apelo à ceifeira para que continue a cantar a sua canção inconsciente, porque esta emoção o obriga a pensar, e a desejar ser ela, sem deixar de ser ele, e ter a sua “alegre inconsciência e a consciência disso”. Note-se que o poeta aspira ao impossível, pois ter a consciência da inconsciência é deixar de ser inconsciente!
O sujeito lírico, ciente desta impossibilidade (a ciência pesa tanto!), lança uma apóstrofe ao céu, ao campo, à canção, personificados, pedindo-lhes que entrem dentro dele, o transformem na sombra deles e o levem para sempre. Paira aqui aquela dor de pensar tão habitual nos poemas de Fernando Pessoa. Mais um paradoxo do grande poeta , o qual tendo sido o que mais se serviu da inteligência, se sentiu um ser torturado, por ser um ser pensante, daí a sua aspiração pela alegre inspiração da ceifeira.
A nível morfo-sintático, nas três primeiras estrofes, o tempo verbal predominante é o presente,que projecta a voz doce da ceifeira, deslizando suavemente na imaginação do poeta que nela medita. A própria repetição das formas do presente (canta-três vezes; ondula) sugere a imagem da ceifeira a cantar a deslizar na imaginação do poeta. A mesma sugestão da passagem lenta do tempo, acomodada à meditação do poeta, é dada pelo recurso à perifrástica e pelo gerúndio. Na segunda parte do poema, predomina o imperativo para traduzir o apelo do poeta, em nítida função apelativa da linguagem, e também o infinitivo com valor optativo.
Note-se a expressividade do gerúndio, na frase apelativa: "Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando" (o poeta queria a voz da ceifeira ondeando perpetuamente na sua imaginação).
Na primeira parte do poema por ser essencialmente descritiva, há mais adjectivos que na segunda, em que predominam os sudstantivos, pronomes e verbos, de harmonia com a função apelativa da linguagem que aí é predominante. A repetição do verbo "cantar " (sete vezes), do substantivo voz e canção, o uso do verbo ouvir, põem a sensação auditiva no âmago emocional do poeta.
O vocabulário do poema é todo ele simples, não ultrapassando em si os limites da norma. Mas o poeta soube carregar de sentidos subtilmente sugestivos as palavras mais simples. Assim, observemos a expressividade dos adjectivos: “pobre ceifeira”,”feliz talvez”, ”voz cheia de alegre e anónima viuvez”. Notemos os dois pares antitéticos: “pobre”/”feliz”; “alegre”/”anónima”. Estas relações justificam-se porque cada um dos pares tem de um lado a visão parcial da ceifeira, e por outro a visão total do poeta: a ceifeira era feliz e alegre como uma ave pode ser feliz e alegre, inconsciente do seu mal; o poeta via a sua pobreza, duvidava da sua felicidade (“feliz talvez”) e sentia na sua voz uma “alegre e anónima viuvez”. Note-se que o signo “viuvez” é vulgarmente tomado como símbolo de desamparo e tristeza. É evidente a amarga ironia que a expressão antitética "alegre e anónima viuvez" e o advérbio talvez posposto a feliz, projectam sobre a ceifeira e o seu canto, na primeira quadra.
Os dois adjectivos da segunda quadra (ar limpo e enredo suave) não se podem desligar um do outro: o ar é limpo para que nele perpasse a voz suave de ceifeira; a voz cristalina da ceifeira volteia o céu igualmente cristalino. Atente-se na expressividade plurissignificativa do adjectivo incerta , na expressão " incerta voz".
O adjectivo está carregado de subjectividade do poeta, pois para ele a voz era ao mesmo tempo alegre e triste. O adjectivo alegre ("a tua alegre inconsciência"), apontando para a parcialidade do conhecimento que a ceifeira tinha da sua vida, está carregado de amarga ironia: o poeta desejava a inconsciência da ceifeira por ser (para ela) a única causa da sua alegria.
Note-se finalmente, a subtil expressividade do adjectivo leve (“a vossa sombra leve”, sugerindo leveza, a quase imaterialidade desta visão-sonho que o poeta teve da pobre ceifeira). Para exprimir a imaterialidade, a subjectividade dessa visão poética., há ainda comparações e metáforas. A comparação: "a sua voz...ondula como um canto de ave" aponta não apenas para a suavidade da voz, mas também para o muito de instintivo, de inconsciente que tem a alegria da sua voz. "No ar limpo como um limiar" acentua a pureza do ar, do céu em que o poeta imagina a voz da ceifeira volteando: a pureza da voz da ceifeira projecta-se no ambiente em que ela se propaga
Notemos, agora, a expressividade das metáforas: "...a sua voz ondula" (como se ela enchesse o ar e este fosse o mar); "Na sua voz há o campo e a lida" (como se o perfume do campo e a grácil agitação do seu trabalho enchessem a sua); " E há curvas no enredo suave do som" (a sugerir a melodiosa harmonia da sua canção. "Derrama no meu coração"(como se a sua voz fosse um liquido delicioso de que o poeta queria ser alagado); "a ciência pesa tanto" (conotando com a dor de pensar).
Para exprimir a contradição entre a alegria da ceifeira e o seu trabalho duro, e as consequentes sensações opostas que ela operava nele, o poeta emprega várias antíteses: “pobre”/”feliz”; “alegre”/”anónima”; “Alegre/entristece” , e os paradoxos "Ah! Poder ser tu ,sendo eu!"; "Ter a tua alegre inconsciência e a consciência disso".
Repare-se quanta emoção e expressividade há nas personificações "voz cheia de alegre e anónima viuvez", "Ó céu, ó campo, ó canção!"; o poeta serviu -se , também do pleonasmo "entrai por mim dentro". Note-se a beleza da última estrofe: depois da referência ao peso da ciência e à brevidade da vida, o poeta sugere muito subtilmente, o desejo de se evolar na sombra leve da ceifeira, que também desaparece.
A nível fónico, o poeta usou a quadra , desta vez de harmonia com o assunto simples, embora intelectualizado, notando-se várias vezes o transporte entre pares de versos e entre estrofes à maneira da atafinda trovadoresca.
A rima é sempre cruzada, segundo o esquema rimático ABAB, rima sempre consoante, com excepção dos versos lº e 3º da primeira estrofe, em que se verifica rima toante. Note-se o som aberto da rima na última estrofe, sugerindo talvez a limpidez e a claridade do céu a que o o poeta aspirava. a comprovar a variedade sonora do poema, de harmonia com o canto do ceifeira, há ainda os frequentes casos de aliteração.
Os versos são de oito sílabas, notando-se no entanto, uma certa fluidez na sua medida: há uma certa dificuldade em considerar alguns dentro da métrica de oito sílabas. O ritmo, no geral binário, apresenta-se repousado, de harmonia com a suavidade do canto da ceifeira.

Articuladores

LÍNGUA PORTUGUESA


A Língua oferece-te recursos para melhor explicitares as tuas ideias. São os chamados articuladores de discurso com intenções bem definidas. Apresentamos-te uma lista com os mais utilizados.

Para provar: com efeito; sem dúvida; de certo; com certeza; efectivamente; deste modo; na verdade; em verdade; ora.

Para explicitar: isto é; ou antes; aliás; ou melhor; melhor dizendo; então; tomemos como exemplo; pode dizer-se; é o caso de; neste caso; como veremos; até; sendo assim; por vezes; veja-se; compare-se; assim; observe-se.

Para ilustrar/exemplificar: assim; por exemplo; ressalte-se; saliente-se; importa salientar; é importante frisar.

Para reforçar a ideia: além de; além disso; ainda; sobretudo; neste caso; também; por esta razão; note-se; de acordo com; como já foi dito; por isso; na grande maioria; em favor de; em virtude de;

Para atenuar ou restringir: pelo menos; ressalve-se; neste caso; no entanto; todavia;

Para concluir: em conclusão; finalmente; por todas estas razões; definitivamente; consequentemente; em consequência.

Criação de Blog

Olá malta,

Isto é uma experiência. Estou a tentar criar um blog, mas estou com algumas dificuldades...

Parece que a máquina tem sempre razão...mas também sou teimoso...Agora não sei para onde vou enviar este texto. Socooooorro, professora....